quarta-feira, 7 de março de 2018

Wolverine: Ladrão de Almas


Era o melhor dos períodos para começar a ler Wolverine. Quando em julho de 2003 a nova contagem da mensal do mutante começou, era “só” Greg Rucka que estava no posto de escrever o quadrinho. Resultado? Um ótimo período, que foi até a 19 com o roteirista, na qual destaco o arco “Coyote Crossing” como seu ponto alto. Depois, os fãs foram agraciados com Mark Millar, que com dois arcos, Inimigo do Estado e Agente da Shield, conseguiu manter o alto nível da mensal, colocando Wolverine para enfrentar quase todo o Universo Marvel, e depois buscando vingança contra quem o capturou e usou contra seus amigos.
Naturalmente que alguns anos mais tarde que essas histórias sairiam aqui no Brasil, nas mensais. Por sorte, foi uma época que eu estava acompanhando. Já tinha meu tempo de leitor, e a emoção de esperar a próxima edição era uma sensação incrível. Porém, tinha um detalhe interessante nas mensais que saíam em terras brasileiras. Diferente dos Estados Unidos, aqui não compramos a edição apenas com uma HQ. Durante o período do arco Inimigo do Estado, outras 3 histórias saíam junto com o número da mensal de Wolverine. Uma delas, também envolvia o personagem, e foi a minissérie Ladrão de Almas.
Despretensiosamente presente por 5 edições enquanto Inimigo do Estado rolava pela mensal, lembrei que quando li, havia gostado da história. Então, na ausência de muito material sobre esta minissérie, resolvi reler e fazer uma crítica. E lá vamos nós!

Os autores
Começamos aqui com uma curiosidade. O autor da HQ seria Akira Yoshida. Mas pesquisando sobre o trabalho deste autor, até imaginando que o mesmo tivesse feito sua estreia em HQs de super-herói nessa minissérie e que teria escritos obras como mangás por exemplo, acabei me surpreendendo. Akira Yoshida na verdade era um pseudônimo para C. B. Cebulski. E Cebulski não é qualquer um, já que hoje é o editor-chefe da Marvel. Yoshida, segundo matéria do Comic Book Resources, não era só pseudônimo de Cebulski, mas tinha inclusive até sua “história”, de um japonês que cresceu lendo mangás, e aprendeu inglês através de quadrinhos de super-heróis. E por ser “japonês”, ele teria o conhecimento e habilidade para trabalhar e dar voz a estes personagens. Que foi justamente o que aconteceu em Ladrão de Almas, minissérie que se passa no Japão. Aqui nos ateremos a crítica da história apenas, mas para quem quiser saber mais, deixo aqui a matéria do CBR sobre o assunto, em inglês. É bom avisar também que a matéria tem um conteúdo opinativo bem presente, então, esteja ciente do que irá clicar.
Quanto ao artista, ele é Shin Nagasawa, que desenhava mangás. O artista também fez trabalhos para cards de Pokémon.

A história
A premissa segue uma linha bem características das histórias de Wolverine, com viagens despretensiosas até locais bem característicos, que no fim, colocam o mutante no meio de um problema bem maior. Indo visitar sua filha adotiva Amiko no Hina Matsuri**, uma data que quer dizer “Dia das Meninas” no Japão, Wolverine encontra Yukio, já velha conhecida. Após um jantar com Logan, ela diz que está portando um artefato muito antigo (roubado), e que fica ouvindo uma voz feminina todo os dias. Os dois vão até Kenichiro, um amigo de Logan que entende de misticismo. Ken fica extremamente nervoso ao ver o artefato. Ele diz que dará dois dias para preparar o necessário para desfazer a maldição, e dá um artefato a Logan para protege-lo. Alguns ninjas aparecem no local e durante a luta, Kenichiro acaba morto. Wolverine entra em contato com o artefato que Yukio falou e tem uma visão de duas mulheres em confronto.
Na segunda parte, Logan resolve ir até o local que teve a visão. Lá, depois de um amplo reconhecimento, ele parte para a busca. Inicialmente ele acha uma das garotas da visão, sendo protegidas por monges. Depois de uma quase luta, os monges esclarecem que são protetores da moça. Os mesmos ninjas que mataram Ken aparecem de novo, e os monges dessa vez esclarecem: eles são os defensores da outra mulher da visão. Wolverine derrota todos os ninjas e leva a garota para casa. O nome dela é Mana, e Logan põe o colar nela, que acorda, enfurecida, já que não só ela recuperou sua alma, mas sua irmã, Hana, também.
Faço uma pausa na história para falar um pouco da arte. Nagasawa funciona muito bem nas cenas de ação, que são claras e realmente trazem dinamismo a história. Em contrapartida, nos diálogos, o autor deixa muito a desejar nas expressões faciais, que dificilmente estão de fato expressando aquilo que os personagens estão dizendo. Na primeira edição por exemplo, a conversa merecia mais atenção do leitor, e o artista não conseguiu convencer tanto. Em contrapartida, a segunda edição teve mais ação e Nagasawa brilhou. Um detalhe interessante é que na ação, ele consegue passar muito bem que Wolverine está “se divertindo”, justamente pelas expressões faciais que ele não conseguiu render tão bem nas conversas.
A terceira parte da minissérie é a esclarecedora da história. Mana conta para Wolverine a respeito da Ordem de Shosei, que protegia a região local por mais de 800 anos de diversas ameaças. Mana é de uma linhagem de sacerdotisas, que lideram essa proteção, sendo ela, a última. Sua história com Hana envolveu uma disputa para ser sacerdotisa, que Mana venceu. Hana contudo, não se daria por vencida. Ela usou de magias proibidas para tentar tomar controle da ordem, liberando um demônio de Ashurado, que a controlava e revivia os mortos como zumbis. O demônio se chamava Ryuki e se alimentava de mortos-vivos. Ryuki se viu capaz de abrir um portal na ponte de seis reinos, e ir do inferno a Terra em seu próprio corpo. Então, Mana fez o sacrifício final e aprisionou sua alma, a de Hana e a de Ryuki em seu colar. Wolverine se frustra com o ocorrido. A situação ainda fica pior pois o local onde Hana está tem diversos corpos enterrados que servirão para aumentar seu exército. Logan questiona Mana que os corpos deveriam ser cremados, e Mana responde que no local, criminosos foram enterrados, sem merecer a honra da cremação. Para o combate, Mana faz um processo de purificação em Wolverine. O ponto mais alto da narrativa é aqui, com o conhecimento do contexto no qual Logan está inserido, com Mana, Hana e a ordem Shosei.
No quarto número, penúltimo da minissérie, o foco é quase que total na ação. Wolverine enfrenta os zumbis. No templo Toji, enquanto Mana visita Oinari, uma Raposa de cabelo prateado, que tem a resposta para vencer Ryuki: ouro. Hana propõe que Wolverine e Mana entreguem a espada de sangue, caso contrário, a Terra sofrerá. Local dado, Hana foge. Mana explica que é a espada de sangue faz parte de um cerimonial dos Shosei, e que tem o sangue das ancestrais e parte de suas almas na lâmina. As almas serviriam para que Hana abrisse o portal até Ashurado. A proposta foi feita por uma razão: para que as almas se libertem, é preciso ordem de Mana. Mana dá a espada a Logan e é hora de resolver as coisas.
Estamos próximos do fim. Durante a batalha final contra monstros gigantes que vão sendo dilacerados por Wolverine, o roteirista escolhe uma saída um tanto clichê: Hana detinha Yukio e Amiko como reféns. Sabemos da natureza protetora de Logan que aceita a oferta de libertação das duas dando a espada. Porém, Hana trai Logan e diz que irá mata-las, sendo impedida por Mana. As irmãs lutam novamente e Mana faz sua magia final: transforma as garras de Wolverine em ouro, que é a fraqueza de Ryuki. O demônio é facilmente derrotado. Ao final, Amiko revela que consegue ouvir as almas das espadas, fazendo Mana suspeitar que ela seja da linhagem dos Shosei.
Não houve nenhuma necessidade de fechamento de arco em termos de personagem dentro da história, com seu foco sendo quase que exclusivo na ação. A arte tem justamente seu destaque na parte da ação, então realçou seu foco. A releitura foi agradável, embora não seja nada especial em termos de escrita, tem seus méritos e é digna de lembrança.
Interessante ressaltar também que as artes de capa são muito bem feitas.

** O Hina Matsuri
O Hina Matsuri é celebrado no dia 3 de março, sendo o Festival das Bonecas e o Dia das Meninas. As bonecas ficam dispostas em um altar da mesma maneira durante dos os anos, conforme a imagem.
A origem veio durante o Período Heian, onde antigamente, acreditava-se que as bonecas tinham o poder de conter maus espíritos. Como a história Ladrão de Almas também está ligada a almas e espíritos, me parece que a escolha da data para se passar a história foi proposital. Uma boa sacada do escritor.